sábado, 26 de setembro de 2009

NA CONQUISTA DE SEVILHA

É por iniciativa de Fernando III que, a partir de 1246, se iniciam os pre­parativos para o assalto a Sevilha. Será uma acção da maior envergadura. A Crónica Geral de Espanha, que segue um texto anterior da responsabilidade de Afonso X, destaca o papel de primeiro plano que aí desenvolveu o Grão-Mestre de Sant’Iago.
Esse papel verificou-se não só no teatro das operações, mormente na margem direita do Guadalquivir, mas no próprio conselho em que se decidiu a estratégia a adoptar. Veja-se a narrativa que regista o conselho de Fernando III, havido em Jaén, «com seus ricos homees sobre qual o logar hiria ou que maneira teerya na guerra»)[1]:

E a esto cada huu dava sua divisa, segundo seu entender. Mas o meestre dom Paae Correa e outros boos cavaleiros e muy sabedores de guerra disseron a el rey que fosse cercar Sevilha e que, se a cobrasse, que per ella cobrarya todo o al e que seria mais sen trabalho e con mais pequena custa e sem muyta lazeira d’alguus. Mas esto contradisseron outros, dizendo que Sevilha era logar grande e muy pobrado e que non seria muy ligeiro de cercar mas pero se el rey tal cousa quisesse cometer, que primeiro compria correr e estragar a terra per alguas vezes e, depois que a bem quebrantada tevessem e os mouros bem apremados, que entõ seria bem de a hir cercar. Mas o meestre dõ Paae Correa e os outros que primeiro conselharon o cerco de Sevilha disserõ a el rey que o tempo que posesse em corrimentos e fazer cavalgadas e cercar outros pequenos logares que melhor era de o poer sobre Sevilha e que, tomandoa, cobrava todo o al e que, por esta razon, melhor era de acabar todo per huu afam e per huu tempo que por muytos. E demais que poderia seer, se lhes dessem tal vagar, que elles se avisariã de guisa que seria depois muy forte cousa de começar e que por esto melhor seria de começar esto cedo que tarde. E, ditas estas palavras e outras muytas, acordousse el rey con todolos outros en este cõselho.
Em termos práticos, as coisas não foram tão simples como se depreenderia da proposta do Grão-Mestre de Sant’Iago. A Historia de España relata assim os preparativos do avanço sobre a grande cidade do Guadalquivir[2]:
O evidente era que se necessitava da cooperação de uma frota capaz e mais forças de terra suficientes, o que tudo exigia tempo e dinheiro. Por isso se aprazou o assédio para o ano de 1247.
Enquanto chegava o momento previsto, o rei não desperdiçou a estação para uma campanha preparatória. Saiu de Jaén em direcção a Córdova, na qual se documenta durante a segunda quinzena de Setembro de 1246. Depois de reunir as forças que pôde, iniciou a marcha para Carmona, e estragou o que achou fora de muros. Pus assédio a esta cidade e logo concorreu o rei de Granada. Coberto o objectivo de razziar aquela comarca, levantou o assédio retomando a marcha para Alcalá de Gadaira. Nesta fizeram impressão os danos causados pelos cristãos a Carmona, em consequência os muçulmanos decidiram entregar-se ao rei de Granada, o qual logo a deu ao de Castela.
D. Fernando ficou em Alcalá, reparando as defesas e abastecendo o castelo. Entretanto, enviou umas forças com o seu irmão o infante de Molina e com o mestre de Sant’Iago para correr o Aljarafe; e outras com o rei de Granada, o infante Henrique e o mestre de Calatrava para Jerez, com análogo fim. Cumpridas essas tarefas, o monarca cristão regressou a Córdova e logo a Jaén, preocupado com a morte de sua mãe, ocorrida a 8 de Novembro, cuja notícia tinha recebido em Alcalá. Finalmente, havia de enviar o seu irmão Afonso para que em parte a substituísse.

Por sua vez, a Crónica Geral de Espanha refere, como segue, os mesmos acontecimentos[3]:
E, depois que el rey dom Fernando estragou Carmona, foisse pera Alcalla. E os da villa, quando souberon que el rey de Graada viinha com el rey dom Fernando, sairon a elle e deronselhe. E elle deu logo o castello a el rey dom Fernando. Esteveron entõ aly alguuns dias e mandou el rey correr o Exarafe a dom Afonso, seu yrmãao, e ao meestre dõ Paae Correa. E mandou a el rey de Graada e a seu filho, dom Ãrrique, e ao meestre da Callatrava que fossem correr Exarez. E elle ficou em Alcala afortelegando o logar e bastecendo o castelo.
D. Fernando, já se viu, não se ocupou muito tempo com a morte de sua mãe. Dentro em pouco está de volta para o seu empreendimento. Submete Carmona, Cantolhana e Guilhena. Depois, embora doente, manda cercar Alaclá del Rio. Não foi tarefa fácil, mas a cidade acabou por se render.
Entretanto, a frota que vinha do Norte foi afrontada por «gram poder de Tamar e de Cepta e de Sevilha per mar e per terra». D. Fernando envia tropas em seu socorro; os mouros aliviam então a pressão sobre a frota, mas, logo que as tropas se afastam, caem de novo sobre ela. Os da frota, todavia, vencem as forças mouras.
Os Sevilhanos tentaram então barrar, no Guadalquivir, o caminho à frota e «sayron gram companha delles pera hyr contra Reymõ Bonifaz onde vinha pello ryo açima». Mas também aqui foram vencidos.
A Crónica Geral de Espanha dedica agora todo o seu capítulo DCCCXXV a Paio Peres Correia. Intitula-se ele: “Como o meestre pousou da outra parte do ryo so Esnalfarag».
Conta a estoria que dom Paae Correa, meestre da cavalaria de Santiago, com seus freires e outros segraaes que com elle acõpanhavõ que eram per todos duzentos e oiteemta cavaleiros, passou o ryo da outra parte e pousou so Esnalfarag, a grande perigo de sy e de suas gentes, ca mayor perigo era daquella parte que da outra de que pousava el rey, ca Abenafon, que a essa sazon era rei de Nevra, estava daquela parte e trabalhava quanto podya por os embargar. E estavam com elle todollos mouros dessa terra e eram tantos, antre os que hy estavam e os que lhe viinham em ajuda da parte do Exarafe, que era maravilha de veer. E por esta razon eram os cristãaos em grande afronta, ca nuca podyam folgar se nõ sempre estar com elles pelejando. E, pero que os cristãaos os vençiam e matavon deles muytos, os que ficavõ e os outros que creciam nunca os leixavã folgar.
Veendo el rey Fernando o gram perigoo em que estava o meestre dom Paae Correa e todollos que com elle erã, mandou allo passar dom Rodrigo Frolles e Afonso Tellez e Fernand’Yvanes. E estes tres levaron cen cavaleiros com os quaes forom muy bõos ajudadores ao meestre e seus freires.
Este Abenafon, aliás Ibn Mahfut, segundo José Mattoso, é um guerreiro que Paio Peres Correia conheceria já desde a campanha do Algarve. Parece ter sido adversário de monta.
A Crónica Geral de Espanha dedica longa série de capítulos ao cerco de Sevilha. Vamos reunir agora as referências que aí se fazem ao Grão-Mestre de Sant’Iago.
O capítulo DCCCXX VI dedica dois parágrafos aos seus feitos. Lê-se aí:
(...) o meestre dom Paae Correa e os outros ricos homees que com el estavon da outra parte do ryo, segundo ja ouvistes, cavalgarom sobre Golles e cõbaterõna e entrarõna per força e inataron todollos mouros que dentro acharom e levarõ muy grande algo que hy acharom. E, em se tornando per Tyriana, sayiu a elles gram cavalarya de mouros e muitos peõoes com elles e ouverõ com elles gram batalha. E foron os mouros vencidos e mortos muytos delles e os cristãaos tornarõsse muy hõrados pera seu arreal.
E, estando em elle, os mouros sahiam a elles cada dia muy amehude e seguyãnos muyto e fazianlhes grande dano em bestas e homees de pee. Mas o meestre e os outros ricos homeens deitaraonlhe hua cilada. E os mouros, sayndo como suyam, trabalharon por se poer a salvo. Mas, ante que se acolhessem, ficarõ hy trezentos mortos e muytos presos. E seguirõnos ataa o castelo. E, des aquel dya em deante, foron os mouros escarmentados de non seguir tanto a hoste dos cristãaos.
A partir deste momento, os Sevilhanos estão já quase entregues à sua sorte. O cerco cerra-se cada vez mais. Mas a mortandade dos mouros às mãos de Paio Peres Correia não fica por aqui.
O capítulo DCCCXXIX intitula-se “Como o meestre dom Paae Correa desbaratou o arraiz que partia de Sevilha”. Eis o que aí se escreve:
Conta a estoria que o meestre dom Paae Correa, estando sobre Esmalfarag em seu arreal, ouve novas como sayra de Sevylha huu arraiz e passara a Tyriana por se meter no castello de Esnalfarag. E elle, logo que o soube, foisse meter em çilada. E o arraiz, em passando, sayu o meestne a elle. Pero non se lhe guisou assi como el cuydava, ca estava a çilada muyto longe do logar per onde o arraiz passava. E, depois que o meestre foy descuberto, o arraiz foisse acolhendo o melhor que pôde pero non tam bem que o meestre o nõ encalçasse. Mas era ja preto do castello. E matoulhe nove cavaleiros e derribou elle do cavalo e per pouco nõ foy preso, ca se nõ fora o grande poder dos mouros que lhe acorrerõ, assi dos que estavã no castelo como dos que viinham com elle, todavia el fora preso. Mas desta guisa escapou e meteosse no castello. (...)
No cerco de Sevilha, a tarefa de Paio Peres Correia foi do maior alcance e de grande dificuldade. Talvez por isso, conforme se relata no cap. DCCCXXXIII da Crónica, Fernando III fez uma visita, certamente de cortesia e agradecimento, às tropas do Mestre[4]:
Huu dya aveo que el rei dom Fernando passou Agua d‘Alquivyr e foy veer o meestre dom Paae Correa.
O cerco prolongou-se por quinze penosos meses. Sofreram muito os sitiados, mas sofreram também os sitiantes. Um destes deixou estas expressivas linhas[5]:
Ca las calenturas eram tam fuertes e tan grande el encendimiento, que se morian los omes de gran destemplamiento, ca eram corrompidos del aire, que non parecia sino fuego, y corria tan escalentado como si de los infiernos saliese, y todolos omes andavan todo el dia corriendo por agua del gran calor que fazia, tan bien estando por sombra como andando por fuerza, y por donde quiera que andavam como si en baño estuviessen; y por esta razon y por los grandes quebrantamientos e lacerias que sufrian, perdianse y grandes gentes.
Quando a cidade se rendeu, os Sevilhanos tiveram um mês para se desfazerem dos seus haveres e deixarem a cidade livre. Passaram a África, então, 300.000 mouros andaluzes. [1] Op. cit., pág.440.
[2]
[3] Págs. 441-442.
[4] Pág. 459.
[5] Enciclopedia Universal Ilustrada Europeo-Americana, Espasa-Calpe, S.A., Madrid, tomo LV, pág. 878.

Imagens: em cima, La Giralda, a torre árabe da Catedral de Sevilha; depois, a Torre do Ouro, junto ao Guadalquibir, também em Sevilha; em baixo, Paio Peres Correia num medalhão de Salamanca (reparar no Sol, representado ao lado direito da cabeça, como alusão ao "milagre" de Tentudia).

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